segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Formigas

As formigas brotavam debaixo das telhas que recobriam o muro velho - muro do vizinho. Velho, embolorado e porcamente pintado de branco. As formigas proviam de uma casa ao lado como a inveja que se arrastava qual neblina fedorenta por toda a superfície do asfalto que corria na rua.

Foi logo depois de uma semana da mudança que tudo começou. Depois de estar tudo razoavelmente encaixado e devidamente alocado, num dia nublado de verão que elas se mostraram. A moça estendia as roupas no varal, torcendo pra que estivessem secas antes que a chuva desabasse no fim da tarde como parecia, e do nada ela olhou pra parede do muro.
Um filete escuro descia, era água suja residual que ainda escorria das telhas? - Chegou mais perto, aqueles insetos de fogo sem asas fervilhavam na ordem que lhes é habitual.
-- Iiii, dizem que quando começa dar formigas na casa é porque as pessoas não vão parar ali. Será que a gente nunca vai ter paz num lugar? - a voz da dona da casa falou da janela da cozinha.
-- Não sei, não sei, é que a casa do vizinho é velha e mal cuidada.

Uma semana depois ela pegou o chocolate alemão escondido no guarda roupas e quando deu a primeira mordida no bloquinho tirado com todo cuidado - como fazer um chocolate bom durar mais - o gosto ardido incômodo pinicou a lateral da língua.
"Mas não tinham formigas antes aqui no quarto, muito menos no guarda-roupa, perfumado e limpo. Mesmo quando escondia doces no guarda-roupas, nunca elas invadiram assim meu espaço."
Tirou tudo do armário e elas estavam escondidas atrás do vidro de perfume antigo que a moça guardava como artigo de colecionador.

Outro dia era dentro das partituras, entre as teclas do piano, debaixo dos golfinhos esculpidos em pedra-sabão.

Formigas
d ....................................................................... a parede
e ....................................................................... do lado d
s ....................................................................... o espelh
c ....................................................................... o no ban
e ....................................................................... heiro sai
n ....................................................................... ndo do n
d ....................................................................... ada des
o ...................................................................... a p a r e c e n d o ... . .
...................................................................... por um buraco do acabamento de gesso decorado

-- Você acha que a gente vai continuar por muito tempo nessa casa?
-- A - cho que não, não. Tem muita formiga. Tem formiga até dentro do armário.
...
Sei que eu não fico por aqui.

2 comentários:

  1. Oi,
    nossa desculpe a demora. vim conferir o poema que vc escreveu baseado naquele que falei em um dos saraus...

    gostei! principalmente o 'segunda categoria', hahahaha... não é de 'primeira' nem de 'quinta'.

    enfim...

    agora falando sobre textos de formigas, vc já leu um conto da Lygia Fagundes Telles em que o protagonista mais importante são as formigas? não lembro o nome do conto. é bem legal.

    bjo

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  2. oi,
    eu ainda não vi essa edição do jornal... fala pro cobra deixar alguns exemplares aqui em casa.... pode deixar na caixa de correio mesmo, se não tiver ninguém.

    gostei do formigas, sim!
    a disposição das letras e palavras lembram formigas... hahahaha bem legal!

    bjo

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