eu revolvia as pilhas de vazio acumulado para ver onde é que estavam as minhas pérolas.
naquela hora, deitada na cama, eu não sabia o que estava fazendo ali. escorrendo minhas paixões junto com o suor do verão fora de época.
eu eu e mais eu
se é que eu eu eu estava tentando provar alguma porcaria.
eu queria eram as minhas pérolas, o colar de bolinhas que eu tinha ganho com dez anos, o anel de rubi, o brinco de coral, o mar todo
eu queria cantar, mas não podia, porque o vazio não deixava. não conhecia mais nenhuma letra, porque o vento não soprava, e eu enjoava.
o sono me ajudava a amontoar o vazia, o sono me envolvia num casulo abafado e silencioso longe da dor e da náusea.
eu queria minhas pérolas, voltar pras minhas paixões, pros meus, pros meus amores eternamente platônicos, pra minhas rendas e sedas, pras minhas estrelas delicadas e cortinas bonitas.
revirando o vazio eu via o desespero de não ver. de não respirar no sono. de dormir o dia pra viver a noite.
aprendi o ódio. adoecido.
desaprendi.
aquela coisa toda cansava. o controle não era pra mim, mas era como se tivesse algo alienígena na minha cabeça. doía, se eu tentava fugir. afinal, eu gostava dele. ele me exigia, eu nunca tive sa-co pra exigir, eu sou mulher, eu eu eu detestava não poder e muitas vezes não querer não mais saber conversar com as outras pessoas e ele com as mil e uma amigas inseparáveis dele e cada vez mais o vazio aumentando.
eu queria jogar o vazio no fogo e mergulhar na piscina com as minhas pérolas.
daí eu fui embora.
o vazio é cheio de partículas, e as partículas são cheias de vazios que são cheias de outras coisas que não são partículas nem ondas nem vazio e as pérolas são cheias de microesferas de brilho e calor e som de ondas do mar onde as areias do fundo resplandecem ora com a luz da nossa estrela ora com as outras estrelas e planetas e satélites e os transatlânticos e petroleiros e barcos de pesca e as luzes do cais da ilha das estradas das casas e do fogo aceso com a panela fumegante de sopa de aspargos e o uísque tilintando no copo com gelo e a página de livro cheia de letras e as piadas e a grama cheirando orvalho da manhã e a maresia e a casa que sempre vai ser o território da minha paz silenciosa vazia de vazios.