terça-feira, 7 de dezembro de 2010

não-diálogo

as frases caem desconexas - contas de colares arrebentados - arremessadas - você me escuta lá, daí onde você está?
voz encontra resmungar desconverso nem pode escutar
olha, tem gente aqui
mas, só, na verdade tem é gente lá
do lado de lá

mudo aqui o silêncio não diz nada
o silêncio não tem espaço no tempo
é só uma pausa de respiro entre atividade de repouso e impacto

nada diz nada
nem voz
nem olhar
nem silêncio e lágrimas

terça-feira, 14 de setembro de 2010

o vazio

eu revolvia as pilhas de vazio acumulado para ver onde é que estavam as minhas pérolas.
naquela hora, deitada na cama, eu não sabia o que estava fazendo ali. escorrendo minhas paixões junto com o suor do verão fora de época.
eu eu e mais eu
se é que eu eu eu estava tentando provar alguma porcaria.

eu queria eram as minhas pérolas, o colar de bolinhas que eu tinha ganho com dez anos, o anel de rubi, o brinco de coral, o mar todo

eu queria cantar, mas não podia, porque o vazio não deixava. não conhecia mais nenhuma letra, porque o vento não soprava, e eu enjoava.
o sono me ajudava a amontoar o vazia, o sono me envolvia num casulo abafado e silencioso longe da dor e da náusea.

eu queria minhas pérolas, voltar pras minhas paixões, pros meus, pros meus amores eternamente platônicos, pra minhas rendas e sedas, pras minhas estrelas delicadas e cortinas bonitas.

revirando o vazio eu via o desespero de não ver. de não respirar no sono. de dormir o dia pra viver a noite.

aprendi o ódio. adoecido.

desaprendi.

aquela coisa toda cansava. o controle não era pra mim, mas era como se tivesse algo alienígena na minha cabeça. doía, se eu tentava fugir. afinal, eu gostava dele. ele me exigia, eu nunca tive sa-co pra exigir, eu sou mulher, eu eu eu detestava não poder e muitas vezes não querer não mais saber conversar com as outras pessoas e ele com as mil e uma amigas inseparáveis dele e cada vez mais o vazio aumentando.

eu queria jogar o vazio no fogo e mergulhar na piscina com as minhas pérolas.

daí eu fui embora.
o vazio é cheio de partículas, e as partículas são cheias de vazios que são cheias de outras coisas que não são partículas nem ondas nem vazio e as pérolas são cheias de microesferas de brilho e calor e som de ondas do mar onde as areias do fundo resplandecem ora com a luz da nossa estrela ora com as outras estrelas e planetas e satélites e os transatlânticos e petroleiros e barcos de pesca e as luzes do cais da ilha das estradas das casas e do fogo aceso com a panela fumegante de sopa de aspargos e o uísque tilintando no copo com gelo e a página de livro cheia de letras e as piadas e a grama cheirando orvalho da manhã e a maresia e a casa que sempre vai ser o território da minha paz silenciosa vazia de vazios.

Você

quero tanto ficar perto de você
pra contar histórias e ver seu sorriso
o resto do mundo não é nada quando você sorri

a vida não para e você cresce

dia brilha todo dia
quero sempre ficar pra você

um dia... você vai...
e vai voltar nos fins-de-semana
-- quem sabe?

um dia eu vou
mas quero ficar perto de você

domingo, 1 de agosto de 2010

O Gamo Rei

a barulheira em volta - um regato silencioso
patos e dacos e tacos e tecos e crecs
crec
taco
estaco estaca paco
o regato silencioso

o par de olhos altivo encara o rosto o olhar encantado de


o belo


]encontro[

olhos que seguem coração oscila enternecido assimila o que é de antes

o finalmente entendido
o rei do ano

terça-feira, 13 de julho de 2010

sono

não tenho tesão pela vida. nada. nada que me...
quando a chuva chove, eu escorro. tenho sono.

nada é tão sério assim. não é tão leve...

cama de flores, sol morno, vazio sem fim, tecido verde flocado

estirar sem fim de tédio amaciado.

as vezes a vida escorre lá fora e eu corro aqui dentro, pelas paredes manchadas e úmidas... as vezes eu deslizo aqui dentro no assoalho encerado no pó.

fico lá ...

sábado, 12 de junho de 2010

Garota bad trip

eu voltava pra casa a pé, como de costume.
tinha sido um dia cheio - casa, banco, papelada, trabalho trabalho trabalho.
foi aí que eu resolvi passar na frente da casa dela. afinal, era caminho.

eu passava lá na frente mesmo sabendo que ela não morava mais lá, eu passava lá na frente mesmo ela não sendo mais minha vizinha. não cruzava mais com ela na rua correndo pra faculdade enquanto eu corria pro trabalho.

ela foi a primeira menina legal que deu bola pra mim. meus colegas deram uma empurrada, claro, mas cara, ela tinha namorado, isso era fo-da.
pra ela, ela não estava nem aí. ela me queria justamente porque não queria o namorado. ela me queria porque queria se livrar do namorado por outro.

era isso que eu achava.

eu traí todas as minhas ex-namoradas por ela. ela também.
foi assim que começou. eu, ela e as amigas bêbadas dela. ela estava lá por outro - eu só estava lá por ela. os dezesseis anos dela me fascinavam, ela falava bonito, cantava pra mim, tinha aqueles olhos grandes cor de licor de chocolate, os cabelos dela tinham várias cores.

foi um dia de sol, sol, sol, lago e floresta. ela tinha medo das árvores, do vento, de tudo, e nada ao mesmo tempo, ela me botava medo e isso era só mais uma parte do charme. eu nem sei quantas vezes eu a beijei, nem sei se foi no bosque, na beira do lago, na praça, na rua, na escada... na esquina da casa dela.

logo depois terminou a primavera bonita, começou o verão veio janeiro e as chuvas. e ela voltou. sozinha, de vinho, bebendo frisante em garrafa de cerâmica. pra mim, três dias, três noites.

ela me deu minha primeira noite. eu fui o primeiro dela, mas e daí? ela só estava lá pra curtir. eu fui lá e me derramei sobre ela, e ela me deu as costas, fria, esvoaçante.

aquela garota é uma bad trip - que eu não canso de tentar repetir.

ano após ano eu a encontro, ano após anos nós nos encontramos. feito conjunção de planetas. mas é que às vezes a face dela está voltada para o outro lado. todo ano ela é minha, todo ano ela me escapa, todo ano eu me afasto dela. todo ano ela é minha.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Considerações Quânticas

ele escrevia mais rápido para ver se passava.
as milhas que deviam voar.
os números quânticos e as teorias materialistas, tudo é palpável, físico.
entre uma e outra garrafa de cachaça ele havia construído a graduação, agora velho ele buscava morrer mais devagar, escrevia embebido em vinho tinto e caro - nunca lhe passou deixar o álcool.
mas o espelho não mente.
havia o peso dos anos. a memória lhe pesava... a memória lhe pesava imenso.

deitou-se no sofá e olhou para suas meias brancas furadas. depois de velho - independente - ele ainda usava meias brancas furadas. ele ainda gostava de massagem nos pés... embora nesse momento não havia quem fizesse.

ainda tinha aquela história do velho Planck,
estirou-se no sofá de couro preto detonado - coisa de república. fez lembrar da república velha, dos amigos com quem cozinhava, e claro, jntava as moedas para mais uma garrafa de pinga... um deles estava na França, já lecionava?, o graaaaan-de Augusto.... esse tinha deixado a esposa e filha no Goiás para estudar na Universidade de São Paulo....
e ele, agora, longe da namorada e de seu filho, menino dele também... fazendo o que mesmo?
O que é que estou fazendo aqui agora?

quarta-feira, 24 de março de 2010

no gramado (com John Lennon)

na hora do almoço o sol é sempre quente
sol de inverno ou verão
no gramado o vento é sempre brisa indolente
e o sono sempre pede uma soneca

a gente deixa as formiguinhas de lado
o gostoso mesmo é dormir
olhar as nuvens de rabo de olho
e esticar os braços sobre a grama
debaixo da sombra das árvores

o amor está lá para ser amado
esticando os galhos pedindo para ser você
livre amado vivo
vivendo ser amado

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lusconfuso

greensleeves was my delight, greensleeves was my heart of gold, greensleeves was my heart of joy...



alas, my love...

eu assoprava a melodia constantemente na flauta, numa só intensidade, em transe.



só chove e num passa, olha só, são só 7 horas, é cedo, é cedo.

mais um café, bem quente.



café era tudo que tinha pra tomar, sem açucar, sem pão nem manteiga, nem nada.

minha barriga implorava por uma sopa, e a criança com sono perdida na minha infância também.



deitei no chão, carpete... um dia eu havia chegado cansada, de viagem, e encontrado essa casa... cheirei madeira no armário, ramos no cipreste, lambi a pedra talhada, deitei no chão no carpete verde parecia madeira...

botei um céu de estrelas no meu teto, em volta do lustre de vidro, e uma cortina com cara de antiga, pro meu quarto de floresta...

dormi.



acordei às 7 horas da noite, fim de tarde, luz confusa luscofusco como diria meu pai



na estrada, essa é a pior hora pra viajar

na floresta, essa é a melhor



no quarto, é a hora da solidão.



café quente vento frio café quente vento frio logo era hora de sair... vazio



então eu vivia pra academia, sem um tostão furado no bolso, vivendo de pesquisar... minha última idéia tinha começado a dar resultado, e tinha até recebido uma correspondência de um pesquisador famoso, me convidando pra uma expedição... e eu estava juntando recursos pra chegar lá.

vou levar a flauta, e repelente, e... o cenário ao redor da possível escavação viagem da expedição me absorve o verde intenso o ocre quente as montanhas longes o silêncio vivo

suspiros e suspiros

vesti uma calça rasgada, camiseta surrada o tenis vermelho e fui dar uma volta entre as mariposas e a praça (elas dormem em algumas àrvores, e eu tenho que andar sem acordá-las todas)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Verão

queria fazer tantas coisas mas meus membros não se movem

como as mãos de um velho concertista
o cérebro mandando impulsos químicos para os neuronios mandando impulsos nervosos para as mãos, os tímpanos vibrando com a melodia prestes a ser mas nunca ouvida

olho para as ferramentas penduradas, as peças inacabadas o jardim descuidado sob a fênix em chamas do verão

a febre goteja do meu rosto e deixa o cheiro de doença no colchão

preciso levantar e lavar a louça, preparar uma bebida quente, sair dessa cama

as gaivotas não param de gritar, as nuvens ficam lá longe, escondidas atrás da ilha, anunciando que prestes desabará um temporal. um temporal seria bem vindo, eu ouviria outro som além das gaivotas nervosas.
já faz tanto tempo que nem ouço o balanço das ondas... talvez eu devesse sair e ver como está a maré, já faz tanto tempo que nem sei que lua é.
a minha febre diminui, o delírio passa aos poucos e me deixa uma disposição pastosa e cansada, corpo cansado de lutar e se debater com a doença

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

spray de chuva

Terça-feira a noite, Chove. Troveja, relampeja, Explode, Chove.

C h o v e

Bonito e sonoro. E eu ouço meu cabelo quieto arranhando o forro do capuz. Nylon branco.

A rua laranja tão inóspita, as grades meio sem sombra, o portão rangendo quando a gente entra, quando a gente sai.

Eu vou abraçar a janela, abrir aquelas frestinhas de persiana e tomar spray de chuva no rosto. Sen-tir o carinho do vento e da água.

Daí vai me dar sono ,e eu vou dormir de janela aberta, toda feliz.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Vodka on the rocks

-- Pessoas interessantes, onde estão?
Será que eu era muito chata, só tinha gente chata em volta, quando eu fui ver.
-- Eu não estou atrás de ninguém... e isso aqui tá tão chato.
Será que o dj não percebia que Vive La Fête numa festa fazia morrer a festa. Eu segurava meu copo de vodka com gelo, sentindo gelar minha mão, o estômago mais fazia era revirar queria tomar tudo pras pessoas ficarem mais bonitas faz tempo que as pessoas não ficam bonitas. Isso que é legal, as coisas tomam uma velocidade alucinante com álcool. Combustível pra noite.
-- Caramba, faz nove minutos que estou nessa droga de festa.
Pessoas largadas no sofá conversando animadamente sobre algum assunto babaca do último momento diretores de cinema e fotografia de algum momento dramático da história universal e aquela droga de Vive La Fête.
-- Lembra, chére, era legal ouvir essa música quando falava com ... ah, deixa, você não conhece.
O pior de uma festa é você encostar num canto. Logo vem um bando de mosquitos querendo cheirar você. Achando que porque você encostou é por que está afim de encontrar alguém ... Eu estou mesmo, alguém interessante pra conversar, con-ver-sar.
-- O que faz uma menina bonita como você sozinha?
O tédio. A Jana conversava feliz ali com um engenheirozinho, sempre tive coisas contra engenheiros. Lúcia toda encantada pelo seu marxista-de-plantão-in-dreads.
Dei mais um gole na vodka, expressão de maluca brisada
-- To muito louca, não quero falar não só to ouvindo a música. (Aquela chateação de Vive La Fête)
Nossa, Strokes... me lembra ...
Conversar é mesmo desnecessário, conclui depois de ouvir as razões do Driano. Talvez ele deteste esse nome, quero mais duas vodkas com gelo, mas coloca gelo pra uma vodka só não, não tudo nesse mesmo copo, é só pra mim.
-- 'my feelings are more important than yours' em bom e analítico inglês.
Olhei pras minhas calças compridas compridas demais os tênis vermelhos com cadarços desamarrados imagino o resto. Nunca consegui manter uma postura boa, a essa hora minha barriga deve estar enorme, meu baton já deve ter saido todo no copo, como é que alguém se atreve a falar comigo afim de afins? Eu não estou afim, meu desleixo todo diz isso.

As vezes eu andava por aí vestida de homem, pra mostrar que eu não estava nem aí. Mas mesmo assim, numa festa dessas da vida, teve um maluco que quis saber porque eu estava sem baton.
Mas eu estava de baton, pra desfarçar os lábios avermelhados de mulher.